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ClubHouse, o fenómeno global que nos devolve o sentido ancestral da voz

2020 trouxe-nos muitas suspensões mas também novidades efervescentes. Uma pandemia pôs a descoberto o real sentido de proximidade ao fazer-nos contar metros de distância até ao Outro e perdermos a conta aos dias confinados.

É neste contexto que surge a ClubHouse, uma sala de estar virtual onde a voz é rainha e a entrada é exclusiva a convidados. Pelo menos, para já. Um dos motivos que pode ter contribuído para o hype desta nova rede social – o sentimento FOMO (Fear Of Missing Out) -, como lhe chamam agora.

O desejo de pertencer à exclusividade de um círculo onde, neste momento, só entram utilizadores IOS é, neste momento, muito forte e sem fronteiras. E, se neste círculo constarem nomes estelares como Elon Musk, CEO da Tesla Motors e SpaceX e Mark Zuckenberg, o pai do Facebook, Oprah Winfrey e outras personalidades ligadas à tecnologia, artes e entretenimento, compreende-se o burburinho à porta da ClubHouse e os mais de 8 milhões de downloads já realizados desde o seu lançamento, em Março do ano passado. Nada mau para uma aplicação ainda versão Beta e limitada ao mundo Apple.

Mas é também muito possível que, ser uma plataforma social onde apenas vozes se encontram e aparecer num timming global em que as conexões humanas se interligam à distância, também tenha contribuído para a sensação ClubHouse. Mas já lá vamos. Para já, apresentemos a chat de áudio streaming que Paul Davidson (ex-Pinterest) e Rohan Seth (ex-Google) trouxeram para a arena das redes sociais.

Afinal, o que é a ClubHouse e como funciona?

Imaginemos um podcast em streaming, onde também podemos participar. Entramos, se queremos intervir, levantamos a mão (virtual), se não, ficamos apenas a ouvir, ou saímos, se assim nos apetecer. Quando a conversa acaba, não fica registada e desaparece, como acontece no Instagram e Snapchat.

Mas, primeiro o convite. E só dos homólogos Apple. Com ele, chega-nos o download da aplicação, desenvolvida pela Alpha Exploration Co que, neste momento, já está a trabalhar a abertura de portas ao universo Android. O entusiasmo em torno do produto da empresa norte-americana contagiou patrocinadores generosos que contribuíram para que, a 21 de Janeiro de 2021, a aplicação estivesse avaliada em 1 bilião de dólares.

Quando entramos na ClubHouse, cria-se o perfil e seleccionamos os temas que nos interessam. Podemos associar uma foto ao nosso perfil, por sinal, a única imagem usada em toda a experiência da aplicação. O utilizador pode criar uma sala com o seu tema e convidar toda a gente ou, então, só quem ele quiser. Pode também apenas passar pelas salas que já estão a acontecer e ouvir conversas inesperadas, que podem ser podcasts, entrevistas, partilha de música, encontros de amigos e tudo o que é possível realizar com este meio que é a voz de cada um. Também pode inscrever-se em eventos que já estão marcados no calendário que aparece no seu perfil. Tudo isto sem texto, vídeos ou fotografias, apenas ideias e sentimentos a serem partilhados em conversas informais. Aqui, não há hierarquias de status, personalidades e anónimos partilham interesses e debates, num momento irrepetível.

Tudo isto é novo, tudo isto é ClubHouse

Há uma estranheza inicial nesta experiência de chat em streaming, é certo. Afinal, estamos num círculo de proximidade onde falamos ao ouvido uns dos outros, em que os outros são, muitas vezes, estranhos. Mas toda a estranheza dilui-se com a descontracção que é estar em sinergia sem a etiqueta do visual digital, como acontece em plataformas como o Zoom.

Contudo, e como é natural quando surge um novo paradigma de produto, há uma liberdade própria que ainda não se enquadra na matriz das regras do jogo do mercado. Neste momento, o ClubHouse apresenta questões de segurança e privacidade no que respeita à mediação de conteúdos e ao fack-checking. Há também queixas sobre o acesso aberto da lista de contactos quando os utilizadores fazem o registo e de gravações de conversas que surgiram noutras plataformas. Enfim, muitas pedras por retirar de um caminho que ainda não se sabe onde vai terminar.

Regresso ao futuro da oralidade

Há algo na palavra falada que traz um sentido de autenticidade, que dispensa legendas. Se escrevemos uma piada no Messenger ou numa SMS, há fortes probabilidades do seu sentido se perder nos caracteres da prosa, mesmo com a ajuda de um Emoji a piscar o olho.

A aplicação ClubHouse vem devolver-nos o poder ancestral da voz como meio de partilha, além de ser uma apresentação de identidade única de cada um. Não existem duas vozes iguais. Ao chegar ao mundo num momento turbulento em que se vive globalmente uma fragilidade económica, sanitária e social, a aplicação vem personificar o conforto, a simplicidade e a autenticidade que as outras redes sociais (tradicionais), como o Facebook, Twitter e Instagram, não conseguem proporcionar.

A ClubHouse não é pioneira como produto de chat áudio. Já existiam outras aplicações, como Dizhma, Tiya  e Yalla, com o seu relativo sucesso. Na última década, o áudio tem vindo a conquistar produtos de forma galopante, como é o exemplo do podcast que está a viver a sua era dourada. São milhões de podcasts em todo o mundo que fazem com que plataformas como o Spotify e Soundcloud estejam num crescendo exponencial.

Mas o que a ClubHouse nos traz é a possibilidade de sermos ouvintes activos, ao contrário da escuta passiva dos podcasts e dos audiobooks. Assim como a espontaneidade e a interacção de um encontro na vida real. Uma conversa autêntica sem edição. Juntando a isto o facto de nos permitir aprofundar os nossos interesses e interacções ao contrário da superficialidade dos posts das redes sociais, que tão bem conhecemos, onde apenas se destacam os recortes felizes da vida.

Longe do scroll e dos gostos, no ClubHouse somos criadores que escolhem ouvir e que também podem ser ouvidos. Tudo sempre sem pressões, claro. A oralidade regressa ao presente para nos devolver a humanidade com que precisamos de encarar o futuro. Venham os próximos capítulos.

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